sexta-feira, 25 de julho de 2008

Pai


Sinto sempre a falta do meu pai. Às vezes, uma coisinha boba me remete a ele. E lá se vão mais de quatro anos de ausência. Ele sempre foi muuuuuito autoritário. Chato. Na adolescência, tive muita raiva dele. Depois, fui entendendo. Não concordava, mas compreendia. Mas, queria ter entendido mais. Falado para ele isso. Ligado mais. Beijado mais. Ele me passou o gosto pela leitura. Ele se esforçou para nos colocar em escolas boas. Eu aproveitei mais do que os meus irmãos. Peguei o tempo das vacas gordas. Quando ele morreu, não quis mexer nas coisas dele. Não tive coragem. Pedi apenas a televisão que eu havia dado para ele. Tem uma marquinha de queimadura de cigarro no controle remoto. Sempre que vejo, imagino uma cena para essa marca. Pedi, também, o livro do Vinícius 'Poesia Completa e Prosa'. Uma edição bem antiga, com capa dura, verde escuro. Tem praticamente toda a obra do Vinícius, tanto os textos, crônicas, peças de teatro, letras de música, quanto as poesias. Já li os vários poemas infantis dele para as meninas: O Pato, A Foca, A Casa, etc. Mas, o que eu mais gosto no livro, são as anotações do meu pai. Tem uns asteriscos nos títulos dos poemas. Às vezes, tem a rubrica dele e a data. Adoro pensar que ele folheou. Que ele marcou. Tem umas marcações que tem a letra K, junto com a data 24/01. Meu aniversário. Quero pensar que ele pensou em mim. Neste soneto, a data era 24/01/91:

Soneto da Rosa - Vinicius de Moraes

Mais um ano na estrada percorrida
Vem, como astro matinal, que a adora
Molhar de puras lágrimas de aurora
A morna rosa escura e apetecida.
E da fraglante tepidez sonora
No recesso, como ávida ferida
Guardar o plasma múltiplo da vida
Que a faz materna e plácida, e agora
Rosa geral de sonho e plenitude
Transforma em novas rosas de beleza
Em novas rosas de carnal virtude.
Para que o sonho viva de certeza
Para que o tempo da paixão não mude
Para que se una o verbo à natureza.

Tem uma marcação, também, em um outro poema. Penso que ele marcou para ele mesmo.

Velha História - Vinicius de Moraes
Depois de atravessar muitos caminhos

Um homem chegou a uma estrada clara e extensa
Cheia de calma e luz.
O homem caminhou pela estrada afora
Ouvindo a voz dos pássaros e recebendo a luz forte do sol
Com o peito cheio de cantos e a boca farta de risos.
O homem caminhou dias e dias pela estrada longa
Que se perdia na planície uniforme.
Caminhou dias e dias…
Os únicos pássaros voaram
Só o sol ficava
O sol forte que lhe queimava a fronte pálida.
Depois de muito tempo ele se lembrou de procurar uma fonte
Mas o sol tinha secado todas as fontes.
Ele perscrutou o horizonte
E viu que a estrada ia além, muito além de todas as coisas.
Ele perscrutou o céu
E não viu nenhuma nuvem.
E o homem se lembrou dos outros caminhos.

Eram difíceis, mas a água cantava em todas as fontes
Eram íngremes, mas as flores embalsamavam o ar puro
Os pés sangravam na pedra, mas a árvore amiga velava o sono.
Lá havia tempestade e havia bonança
Havia sombra e havia luz.
O homem olhou por um momento a estrada clara e deserta

Olhou longamente para dentro de si
E voltou.

Saudades, pai.

6 comentários:

Anônimo sexta-feira, 25 julho, 2008  

Essa aqui me deixou muito mais triste do que a primeira que li (Bon Bini)...

É que com você eu ainda tinha uma chance...

E com o pai?!!


Muitas Saudades também, pai!!

Anônimo sábado, 26 julho, 2008  

É bom quando lembramos, é como se uma outro tipo de vida prosseguisse, aquela que existe dentro de nós.
Há sempre uma chance, depois da morte resta ainda, a chance com nos mesmos. Recordar, restaurar, reparar....
Também tenho muita saudade do meu irmão.

Anônimo terça-feira, 29 julho, 2008  

Saudades sempre!!! Eu aproveitei pouco, né? Tudo muito bagunçado... Dá até um nó na garganta!! Te amo pai!!

Anônimo quarta-feira, 30 julho, 2008  

Conheci esse pessoal em 1983, século passado... Faz tempo! Sou testemunha do gosto que o 'chefe' tinha pela leitura.

Os meninos tinham um amigo que sofria quando se encontrava com ele. "Já leu Os Sertões, meu filho?", e o coitado saía de fininho!!

Ah! Lembro também que a Kátia chegou ao cúmulo de ter todos os livros dela devidamente cadastrados. Parecia uma biblioteca de escola!!

Tempo bom... Herança que marcou!

Anônimo quinta-feira, 31 julho, 2008  

O moça do blog e aquele tal programa para cadastrar os livros????

Anônimo domingo, 10 agosto, 2008  

V. morreu muito cedo, eu não me conformo; nunca vou aceitar. Nem sei o que mais dizer...

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